quarta-feira, 30 de setembro de 2009

homem ao sol

assim que vier a manhã
me prenderei a ti,
tão fortemente que meus braços farão um laço
em tua cintura.

assim que romperes a nuvem-chumbo
beberei tua cor e tua luz
e salvarei na minha memória o beijo que te darei
com os lábios de um poeta melhor do que eu,
emprestados.

beijo destes que a gente nunca esquece
tecido com o carinho da alma
que madura habita o maduro jovem senhor
de cãs prateadas,
eu.

e antes que tu possas ir-te
estarei acenando no horizonte
com a memória do beijo guardado
no peito,
e os olhos umedecidos de tanta saudade
até que um novo dia se anuncie
prometendo o teu retorno triunfal
e todo o rito que descrevi
se reinicie.

domingo, 27 de setembro de 2009



O HOMEM VITRUVIANO, Leonardo da Vinci. Trata-se de um desenho famoso que acompanhava as anotações de Leonardo ao redor do ano de 1490. É um desenho baseado numa famosa passagem do arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio em que em seu terceiro livro de um tratado de arquitetura, descreve as proporções do corpo humano. O desenho é considerado um símbolo da simetria do corpo humano para o universo. Foi apenas com Leonardo que o encaixe saiu corretamente perfeito dentro dos padrões matemáticos esperados.
As proporções matemáticas do corpo humano no século XV, por Leonardo são uma das grandes realizações que conduzem ao Renascimento Italiano.
O desenho atualmente, faz parte da coleção da Gallerie dell''Accademia, em Veneza, Itália.

eis

de fato o que é certo é que estou o tempo todo dentro de tudo,
como um animal que compõe a cadeia alimentar
engolindo e sendo engolido. o leão que ruge
a iena que ri. o gavião que caça.
o peixe que nada. o homem que existe.

o suposto ser decente que existe em mim
não me faz superior ao assassino. nem inferior.
talvez também eu o fosse, se...
momentos que variam em discordância concordante.

se um galo tece a manhã
estou nela,
se o sol clareia e ilumina
sou iluminado,
se as nuvens espessas escurecem o dia
sou a treva.

e assim se faz a magia sempre comigo ou sem mim,
invariavelmente.

egoísmo pensar que sou o único que sofre
o verdadeiro que diz
o especial que profere palavras escritas
o ator único,
o poeta inventor
ou o homem que tudo nega por ser o grande sabedor.
...

tudo está ou é ou transcende
ou passa ou fica ou rola
ou nada.
independe de mim.

mas faço parte de tudo.
de tudo o que é presente ou ausente.

assim, criei meus códigos
como todos os outros criaram ou criarão
porventura um dia.

apenas uma coisa faz com que eu acredite que sou único,
a despeito de não sê-lo também:
meu coito é meu.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

cusparada

(ABAPORU, Tarsila do Amaral 1928)



tudo está para um.
para sempre onde o que se faça.
nunca é nada. nada é para sempre.

tijolos são barro
barro são tijolos.

casas são lares e lares não são casas.
casas são coisas e coisas são tudo.
tudo o que ainda vai passar é coisa.

do lado de dentro dos olhos
capto cismado a mínima linha
que ao acaso se mistura com a palavra.

a mente espreita o que quer
lhe interessa apenas o prazer,
as dores ficam nas gavetas.

tudo está para mim
porque nós somos eu
distantes de tu
para além de vós.

o espelho está quebrado.

grito
mastigo os cacos
expresso os ocos.

sou o homem que come ismos.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

palavras esparsas ( mais uma para Caetano Veloso)


silêncio! agora é deserto.
estou aqui plantado tentando encontrar a perfeita melodia
mas o dia em que me vi nu eu era tão jovem
e queria ser tão bonito quanto você,
zoando no capô do carro  e  namorando sua voz no k7.

silêncio. fico no silêncio. não consigo a melodia.

cacete, como essa cara é lindo!

isso tudo é vanguarda? charada espessa. cobra caninana
ai. araçá azul, com fé em Deus eu não vou morrer tão cedo.

fico místico. cético de tudo. ateu de Deus.
fico em você.
eu te amo.

O GRITO, Edvard Munch - um dos precursores do expressionismo alemão, Museu Munch(Noruega)

o umbigo e o oito

o que dizer do mundo?
o que pensar do homem?
nada. o homem está fadado a ser o que é.
as fórmulas escolhidas para o entendimento
são fórmulas.
fadados como estamos, nós homens
aos nossos holocaustos pessoais
o mundo se torna pequeno e não importa.
sempre será mundo e sempre será história.

o nosso umbigo reina imponente dentro do peito
a despeito do mundo.
as vezes acho que o umbigo deveria estar na testa.
a barriga é pretexto de moradia dele
a carne é material que o identifica,
um dia  serviu de prato para o alimento, caminho,
enquanto habitávamos a barriga de nosso hospedeiro, era tudo.
depois do nascimento, o rompimento e pela primeira vez o mundo.

mas o umbigo continua sendo o grande elemento.

o que pensar do umbigo?
nada. é o umbigo.
assim como o coração,
é linguagem figurada.

já a mente, a cabeça habitada
transporta-nos para dentro de nós mesmos
e para fora e para o mundo.
ela é o verdadeiro umbigo dentro da cabeça
que só se rompe quando o fim chega.
e o fim é certo. sem efemérides ou poemas.
é apenas o fim. para muitos é continuação.

mas para ser mais nobre,
é apenas o fim de um ou de outro.
o oito continuará ileso e infinito
como nascimentos e mortes,
alfa e ômega. e isso é mais importante
quando se pensa no mundo.

o resto é poesia.
viva o oito.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

o beijo ( para Luís Carlos)

esperei que o dia amanhecesse. a noite havia sido muito difícil,
sem estrelas, nublada, sem sonhos bons.
no pesadelo que tive, o único do qual me lembro ao acordar,
eu morria numa pedra alta, com a cidade ao longe,
como um lagarto estirado sobre a superfície dura.

ao amanhecer
nenhuma recordação que me fizesse sentir melhor, apenas o vazio triste
das imagens capturadas no sono. no sonho.

abrindo a janela o dia estava cinza. mais cinza que o normal.
de uma escuridão-chumbo, sem um filete qualquer de claridade
que ousasse romper as nuvens.

mas eu tinha você. por mais que tudo fosse horrível
havia você ali, sentado ao meu lado.

misteriosamente, depois do beijo que você me deu ao acordar
as nuvens se dissiparam e o deus-sol abriu-se em flor
tão magistralmente que nem os homens poderiam detê-lo
com toda a sua avançada tecnologia.

os dias são muito melhores com você, meu amor.

sábado, 19 de setembro de 2009

interrogação

hoje homem feito preocupo-me com a morte.
choro sózinho
pois não sei o que há, se há, do outro lado
no inexistente.

sinto-me repleto de tristeza e saudade do que não estiver comigo,
se eu estiver em algum lugar
ou se eu simplesmente estiver.

o que os livros sagrados me dizem não me consolam
e a vontade desesperada das beatas em fazerem as pazes com Deus
são apenas ainda mais ridículas aos meus olhos que duvidam.

hoje homem feito
definitivamente não quero o outro lado
embora sua possível existência não me preocupe.
sinto-me farto de tanta alegria por tal liberdade.

limitação

do alto a lua inteira me observa.
me observa porque observa a todos,
altaneira, branca espuma em meus olhos.

este poema, apenas um desenho pálido
do que não posso definir.
a lua, meus olhos e a espuma-névoa instalada em minha alma.

quantas vezes já procurei o cavaleiro sobre o cavalo branco?
éramos meninos e brincávamos de adivinhar desenhos no branco.
infância breve, espírito inalcançável, imcompreensível.

no ar pesado, em mim
transborda o copo de leite
e a lua branca não cabe nos meus versos
porque é o que é,
e eu incapaz apenas abraço-a.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

paralelas

antes da cidade se abrir para nós
éramos muitos. continuamos muitos,
mas sós.

no meio da estrada foram abrindo-se bifurcações.
e corremos feito crianças de apartamento
amassando a grama desesperados.

a cidade era sedutora quando éramos meninos-homens.

meninos vivos são seduzidos com facilidade.

é a história natural. evoluir e crescer.
avançar estágios
achar caminhos. o sexo tem boa parte da culpa.
a inocência morre. a euforia cresce.

o cigarro fácil. o beijo fácil.
o coito improvisado.

no tempo em que os homens tinham outras máscaras
éramos presas fáceis da cidade fastástica, perigosa.
mas os homens continuam com todas as máscaras.

ninguém é comum.
ninguém é ruim ou bom. somos.
ser é avançar estradas
criar calos,
tornar-se homem.
abandonar as tetas.

os animais quando desmamam partem em busca de sua vida própria.
queríamos nossa vida própria.
queríamos as canções, o vinho, o cigarro,
a bagana barata.
o barato.

e agora temos a cidade.
nossa cidade de mil faces
sob a face hipócrita.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

meninos da vida

O que éramos nunca foi importante.

Éramos nós. Os meninos esquecidos
Num bairro pobre de um país sem recursos
No meio de uma metrópole rica,
No centro pobre da América Latina.
Sem hospitais
Nem escolas.
Muitas vezes sem pão.
E isso não era ruim. Vivíamos sem a consciência do que éramos.
Vivíamos.

Mas o circo havia. O circo era nosso.
Éramos mestres do nosso picadeiro.

As janelas abertas davam-nos outras visões.
O quintal de terra
O velho abacateiro
O pé de pêra.
Os cães gordinhos de comer angu
Que nunca souberam o que era veterinário.

Éramos vida.
Muitas vidas em perninhas secas sujas de terra vermelha,
Com catarro no nariz
Correndo atrás da bola murcha.

Éramos meninos-homens
Meninos-feios
Meninos-magros
Meninos doentes
Meninos-criativos.

Crescemos querendo abrir mais portas que janelas.

E quando fomos amadurecendo
As janelas tornaram-se mais importantes
Como se no horizonte
Buscássemos a perspectiva para o desejo de um bom desenho.

Hoje continuamos esquecidos. De um outro modo.
Hoje somos mais responsáveis por nosso próprio esquecimento.

Hoje somos homens querendo ser meninos
Homens feitos
Homens feios
Homens doentes
Homens vazios,
Com um talão de cheques no bolso
E um carro velho na garagem.

Hoje comemos macarrão com frango
E assistimos muita televisão aos domingos.
E cada domingo é ainda mais vazio.

Hoje somos pouco mais compostos.
E continuamos sempre chegando
Passando
Atravessando
As pontes de nossas ‘’ babilônias ‘’.
Outras agora. Novas. Nossas.

Hoje, viver é um outro reflexo. Outro deus.
Hoje conhecemos Narciso.

fotografia muda

nasci em família pobre. meu pai era operário,
minha mãe fazia serviços de costura para confecções.
o bairro pobre e a vida humilde fizeram-me entender muito da vida.

brincávamos com a criatividade inventiva dos artistas.
todos éramos escultores natos.
nossos brinquedos eram feitos de pau: espingardas, carrinhos tortos, estilingues.

cinco ou seis, talvez dez meninos brincando com os brinquedos feitos de pau.
e quase nunca tínhamos os brinquedos anunciados na televisão.
mas tínhamos muito mais que os brinquedos de pau.
tínhamos a infância.

trazer a poesia desse tempo para o papel? impossível.
é como tentar ser pintor sem ter a sacação necessária dos matizes.

corríamos sempre morro-abaixo morro-acima, diariamente,
com um velho carrinho feito com rodas de rolimãs
que comprávamos numa mecânica do bairro.
e descobríamo-nos assim.

o tempo foi nos afastando, como sempre acontece.
meninos que viram mocinhos e mocinhos que viram homens.
pequenos homens responsáveis
com seus pelos e pernas crescendo.
e a voz engrossando.

que saudade do tempo em que eu era um menino,
dos brinquedos de pau
das ladeiras dos carrinhos de rolimã.
e da pobreza-rica da minha infância.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

hoje eu sei

hoje eu sei que quando abrir as minhas janelas
tudo continuará  como era antes.

mas continuarei procurando do que falar.
dos excluídos
dos lembrados
dos que nada tem a dizer...
de mim.

muito a oferecer?
será que seria?

hoje eu sei. aqui eu olho dentro dos seus olhos.
leio-o.
leia-me então.

portas abertas

abrindo minhas portas
fecho-me a mim mesmo
e exponho-me ao mundo.

meus livros, meus discos
e as canções que poluem o meu imaginário
são o melhor de mim.

outrora, se eu cavalgava em corcéis
era por ter em mente ser poeta.
hoje, modernamente
cavalgo numa nuvem baixa,
poluída e seca.

quando olho para as pessoas
não sinto nada.
não creio que ainda possa crer.
mas não se trata de romantismo
melancolia ou tristeza.
é mais a consubstanciação do que percebo.

não venderei livros.
emprestarei poemas,
muitos dos quais carregados e pesados
de tanta informação.
os mesmos que serão esquecidos e lembrados,
mas povoando minhas canções
cantarei sempre.

muito me falta, eu sei.

muito me falta da simplicidade do ROSA.
da decomposição do PESSOA.
e da habilidade do MACHADO.

mas estes continuarão sendo meus.
continuarão parceiros de vinho e café.
bebedores de conhaque à beira do rio poluído.
comigo sempre.

com licença

com licença. estou entrando.
meu nome não é Pablo Neruda.
não vou pedir licença. eis-me aqui.
o que sou não importa,
se poeta, muito bem,
se homem, nem tanto,
se eu mesmo, muito melhor.
abro minhas palavras
como se abrisse a massa de um pão, sobre a mesa,
meticulosamente, mas sem técnica aparente.

o que eu ofereço? nem sei.
um pouco de mim.
mim, porquê eu, não importa.

na minha sala
estão expostos meus poemas
sobre o chão,
deito-me todos os dias sobre eles
esperando que me entendam.

sirva-se de um bom café
puxe uma cadeira e vamos conversar.
ou talvez, deite-se sobre eles também,
com todos os buracos de seu rosto:
boca para engolir,
ouvidos para ouvir
olhos para ver
e o buraco da cabeça onde mora a alma,
para sentir.

eis a minha poesia. meu diálogo com o mundo.

a poesia tem que ser diálogo.
a poesia tem que ser o que é.

hoje eu digo: sou eu. sou mim.
eis-me aqui.

domingo, 13 de setembro de 2009

da janela

vendo quando você se manifesta na rua em frente a minha janela
 tento entender tudo que é seu.
o histerismo, a  raiva, as lágrimas, o riso amargo e os seus demônios manifestados,
na madrugada.
deus, como somos parecidos!

eu sei.

eu sei que a culpa é dela.
 a cidade é cruel conosco.
a vida é  impiedosa.
os homens, cruéis e impiedosos.

deste balcão onde atuo com meu improviso
gravito ao seu redor, enxergo o seu choro. choro com você.
bebo com você. sinto fome.
somos protagonistas do mesmo espetáculo patético.
e todo o resto em nossa órbita.

sempre de madrugada
os seus barulhos  invadem o meu quarto.
sento-me na cama assustado, por um instante.
depois me acalmo quando lembro que são seus.
abro a janela e passo a fazer-lhe réplica,
dividir o palco com você.
e quando você se cansa eu também vou dormir.
demoro a pegar no sono.
e na manhã seguinte a primeira coisa que quero ver
é  o que está dentro do seu olhar,
 a doçura, e o lirismo insane pousados em sua retina suja.
suja de poluição, de nós, de cidade, de gente e de solidão.
e penso '' o que há de tão incomum entre nós?''
sinto que sou tanto quanto você.
ou tão quanto,
gratuitamente.

o sol me diz que  estou enlouquecendo.
a diferença é que sinto mais pois estou consciente.
não quero mais o '' ter que ''.

você acorda, se levanta da calçada.
eu disfarço e vou embora.
o dia me espera. até mais tarde.
logo estaremos juntos.

você volta?

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

deus



O que fazem de Deus
É porque ele o permite sempre.
Se ele desce ou sobe escadas
Ou se vai de elevador,
Se dorme, acorda, pune ou presenteia
Será isso mesmo?
Quando não o sabemos
Tentamos criá-lo.
E se ele existe mesmo
Como um ditador,
Então quero ser anarquista sempre.
Mas se ele não existe
Deixem-no onde está.
E se por acaso a sua existência for inevitável
Acredite na história da '' imagem e semelhança''
E pense em Deus como tu, ele,
E todos nós.
( ilustração : Ascensão de Cristo, de Salvador Dali )

bêbado

Rindo.
Sempre rindo de tudo
Inclusive de mim.
Não caibo nas páginas que compuseram sobre o homem
Que quiseram que eu fosse.
De tanto que invento
Tento estender minha estrada
E cruzar com a canção na esquina,
Bêbada.
Mas não a encontro porque não sei cantar.
Então mantenho o riso
Olhando para dentro.
ahuahauuuahua.riririririririririr.
Rindo de mim mesmo.

no espelho


De certo
Estás perdido.
Teus culhões doem.
Haveis de continuar sentado
Sobre tuas pernas flácidas?
Haveis de esconder sempre o teu MISHIMA na cueca?
confessa tua máscara.

Olha para a tua casa.
Dança, canta, bebe o teu licor
Acende tua geba.
Acorda.
O teu trem já vai partir.

Chega de questionar-te
Exista.

De certo perdeste a inteligência.

Já que estás perdido, mesmo,
Abra tua janela
Sem agradecer ao sol por viveres.
É melhor que tu saibas que ele sempre estará ali,
onde sempre esteve. apenas.
E tu deixarás de existir
E ainda terás que agüentar a tua missa de corpo presente
E as carpideiras que teu deus-pessoa educou
Para beberem tua boa morte.

De certo mesmo, estás vivo.

( pintura : NARCISO, de Michelangelo Merisi da Caravaggio, pintor do barroco italiano (século XVI e início do XVII)

a hora morta

Eis a hora morta. Todos estão mortos.
Deus deixou de existir há muito,
Por isso os profetas do luxo
Agora cantam um Adão renovado
Satisfeito financeiramente.
O resto é dízimo.
Os artífices do novo paraíso pregam uma conta bancária obesa.

Nas ruas as procissões aumentam
E cada nicho grita sua presença.
Mas ainda estão em seus guetos e não sabem sair deles:
Negros racistas, gays racistas, religiosos homofóbicos e racistas,
Atores vivendo presos nos laboratórios masturbatórios.

Há os quintais ainda vazios
Sem a cerveja, o churrasco, os amigos...
Sem o esfrega gostoso que molha as cuecas e as calcinhas.

Mas não há fatalidades numa sociedade tão moderna.
Há os homens
Sempre chegando e atravessando suas pontes existenciais.

Na visão do romântico é o fim.
Mas todos querem o sucesso
E os homens-coisa clamam em si, por si mesmo.
O eu coletivo vazou suas próprias questões
E atravessou gerações individualizando-se ainda mais.
Danem-se os plantonistas da adequação também,
Pelados em seus banheiros com seus paus nas mãos
Arrancando à força o prazer solitário.
Por quê não compartilhá-lo?
Danem-se os preconceituosos vestidos.
Eis a hora nua. Todos deveriam estar nus.

Mas tudo é ainda o mesmo. Tudo é tão igual
Quanto já o foi.
Ainda queremos.
É tudo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

eu macunaíma

me deixem,
eu sou um viajante,
andarilho, vagabundo.
poeta pobre
bêbado
dormindo ao relento
como se na mais pura seda.


me deixem em paz.
ai que pobreza de vida,
ai que preguiça!

dialética

Ontem vi apenas lágrimas passionais
Nos olhos de uma jovem poeta.
Os versos apenas pingavam, e eram
Afirmações no coração de uma adolescente
Que julgava ser poesia
Chorar pelo amor perdido
Vangloriar a alegria falsa.
E ter o medo mais desesperado da morte.

Pensei nos poetas que o são por si mesmos
E em tudo que escrevo e exponho no papel,
Eu que nem sei se o sou.

Um sentimento vazio e rancoroso habitou-me.
Ora,
A alegria é importante
A tristeza é importante
A vida é imprescindível
E a morte é certeza.
O que acontece entre-atos
É o melhor.

Por quê encher de lágrimas
Versos que deveriam apenas ser versos?
E de alegria, palavras que seriam alegres sempre.
Entre-atos, o sensato é viver.

A poesia deveria ser apenas poesia,
Carne da carne como ela é.
E se não fosse, para quê sê-la,
Criticá-la, entendê-la ou admiti-la?
Mesmo que eu crie versos
E ainda chore ou cante de felicidade,
Tenha medo da morte
ou sofra o amor perdido,
O fato do sol nascer mais cedo
É apenas por uma questão de situação sazonal.
Se a chuva cair, efeito meteorológico.
A morte acontecer, necessidade
- no mundo não caberiam tantos.

Entre-atos tudo sempre será.
E a existência é apenas uma serpente,
O oito, o infinito começar-terminar-recomeçar.

Entre-atos, poesia é achar-se no palco,
Ser parte dele.

Mas quantas vezes eu neguei tudo o que questionei agora?

auto

versos amenos e palavras tranquilas
todos nós queremos a paz,
mas eu tenho minhas dúvidas
se quero águas mansas.
quero o real
pois a fantasia já a tenho.
quero versos que sejam versos
sem regras,
quero a palavra instigante
a canção sem música
o rap sem armas ou sangue, não quero a cor.
a crônica do dia para além do dia
o metadia...
quero versos que não sejam só pra se colar nos cadernos escolares
nem nos títulos que nada digam.

por isso minha poesia
quer poesia.
mesmo que meio empoeirada
meio manca,
coxa.
quero que a técnica me deixe em paz
mas a quero por perto.

e quero dizer que quero meus próprios versos...
eticétera.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

proema


não sou nem capaz de tecer um verso
uma linha do jeito que tu tecias.
mas os monstros que habitavam a tua casa
para mim são constantes todo o tempo.
contudo, minha carne opaca não é capaz
de armazená-los sob a pele.
então teço como um cantador anônimo
que não tem ciência nem escrúpulo
mas que se rege pelas regras
que tanto tenta quebrar, mas que não quer se parecer contigo.
não sou nem capaz de sentir por dentro
porque sou o próprio sentimento.
sentimento não sente. é.
não sou capaz de amar
pois sou o próprio amor
ainda que proibido e expulso da sociedade.
não sou a luz do sol
nem a sombra da lua.
menos ainda o beijo.
sou eu. cara suja no palco.
mas o que é ser eu?
é ser o que sou?
o que sinto?
o que faço,
sonho ou imagino?

não sou capaz de nada mesmo.
e tal fato não me entristece.
na minha exegese diária
crio em função de recobrar uma poesia
e não deixar que a agonia mate a vida.
mesmo que seja no quadrado em que vivo.

e o que tento é penetrar a parede que me separa de ti.
FERNANDO criador sem rosto fixo
o outro maior na casa da sinfonia da palavra.
artista-arteiro
PESSOA da minha convivência diária, celulose marcada
dormindo sobre a mesa
ainda que as vezes BERNARDO, CAEIRO,
ÁLVARO, RICARDO...

ainda que as vezes FERNANDO.

não sou nem capaz de te oferecer o poema-proema.