domingo, 31 de janeiro de 2010

RECUSA

o que será certo? envelhecer passivamente como Dona Glória Santiago
e tantas outras matronas e mulheres do mundo?
ou como os assalariados que esperam só o dia da féria?

me recuso.

sei que serei um dia, o plácido senhor
ou o rabujento velho,
mas creio que ficar sentado  '' esperando a morte chegar ''
é coisa de personagem clássico que não muda,
não trasmuta...

prefiro me imaginar como Genet
passeando pela ponte Neuf
procurando...
menos que Mishima e sua vigorexia,
ou talvez como Caio Fernando
meio Clarice de calças...
meio dragão guerreiro.

envelhecer como um menino que não o quer
mas com a astúcia de um sábio indolente,
que sofre com a ausência do diálogo
cada dia mais presente na boca dos  ''politicamente corretos ''
em detrimento dos alienados, cada vez mais...ou cada vez menos...

envelhecer odiando o bom senso
os bons modos
a ética falível
e os domingos na tevê.

viva a neurose poética instalada aqui,
nas páginas desse blogue esquecido.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

narciso e dioniso

continuei por muito
minha caminhada pela noite.
cada espaço, mílimetro de calçada
cada cheiro
cada rosto, continuaram por si.
eram outros tempos,
os de enfrentamento
de reivindicação
de guerras frias.
ninguém sabia exatamente o que queria,
mas o que já não suportava.

e confesso
que sempre esperei uma nova revolução.
mas todos os guetos são guetos solitários
não há um conjunto que queira para todos.
Narciso ainda é um deus presente.
Dioniso é utopia.

quando vejo os espelhos quebrados
nas vitrines da noite
vejo também todos os narcisos agonizando
ao redor deles.

e confesso
que nunca haverá revolução.
e os guetos
que um dia foram lindas manifestações,
hoje são só guetos.

outrora eram os homens
hoje são baixos ruídos surdos
ecoando fracos
sob a garoa fina da minha cidade.

cavaleiros lindos
cavalgando ondas imaginárias
mas, sem nada além de ondas.

depois do sinal de igual, continua o menos zero.
a equação não conseguiu achar o resultado inteiro.

continuarei por muito, ainda.
enquanto possa caminhar.
mas meus versos terão morrido
antes que os espelhos estejam todos quebrados.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

noir

sem mim. de mim.
para sempre estranho.
meu idioma não mais traduz
as nervuras dos meus sentidos.
a palavra procura o esporro
o grito
o esculacho
o meu opaco silêncio,
a necessidade de dizer-se.
mas há tantas nuvens.

quem me lerá?

noir.

de onde virão meus sonhos agora?

eis-me
no que é dito  para sempre.

realmente noir.
a novela inacabada
o vídeo-vanguarda
o espetáculo-experimento.

mas os sentimentos
as descrições
e os quintais onde vivem
todos  em descomum acordo
serão sempre os mesmos.

noir.

o dizer no ar.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

desperto

indo ao ar.
a brisa expira sobre meus olhos.
é gigante a sensação de paz.
atrás de mim
uma multidão de mim mesmo,
os outros tantos eus despertados
sabem que é hora de levantar

há um maior barato que viver?

o sol já teimou em invadir minhas cortinas.

já fui ao ar.
agora irei ao sol.

ai de mim
e de todas as manhãs
que nunca serão iguais.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

SOLDADO MODERNO

agora, soldados turbinados
falo up invadem a noite...
é noite de sábado.
saudade dos homens de verdade,
enquanto penso na minha artificialidade.
sou eu.

amanhã
os mesmos soldados não saíram de casa
antes que o sino eletrônico marque dezoito horas.
saudade de Deus,
o ausente que eu nunca conheci.
somos nós que os espiamos.

quando eu encontro os soldados modernos
na noite entre luzes
nem sei com quem me pareço.
durmo cedo, agonizo diante da tevê
como pouco, nem quero beber...
tenho sede de novidades
de almas expostas
de personagens vivos
de palcos verdadeiros.
de atores.

os soldados são como uma mentira vazia,
besta e sem nada por dentro.
porque as boas mentiras são sólidas
e se fazem melhor.
são como os atores vazios nos palcos vazios
e vazios em silêncio.
gozam para morrer.
vivem para gozar.
mas estão mortos há muito.

meu deus, para quem dizer
que eu, soldado vazio, preciso tanto de espelhos?