não consigo dissociar o ofício da escrita
do sentimento presente no que quero dizer.
não sei se digo, se me calo ou se artificiosamente desenho.
a arte de compor tem para os disciplinados uma regra.
para mim, tem o querer dizer.
arruinado em pedaços
Deus nem sabe de mim
ou de minhas palavras.
feliz por inteiro, coisa que nunca ...,
Deus continuará sem saber.
prefiro que o homem saiba
e tente comigo as '' aéreas piruetas '' de Clarice,
guardada em mistérios no coração.
mesmo quando me sento diante da máquina
que me permite a transformação da poesia em objeto físico,
prefiro que o homem saiba
de minhas secretas acrobacias
tentando não arrancar as palavras do limbo,
mas deixando que elas se façam com o respeito que lhes é cabido.
não sou artista, não sou homem
nem tampouco apenas observador.
executo, danço, deslizo e componho
mesmo quando explodo
faço-o porque a palavra em mim quer vazar
e errar no portal entre os grandes
e com a cara dos pequenos.
sou um luxo, no lixo.
com arrogância arrisco.
com elegância insisto.
e sei que durante muito
o fazer irá confundir-se com o '' sobre como fazer ''.
mas se o leitor procura fórmulas
não há.
há sentimentos, sensações e construção de formas
sem formas.
sou tão bicho-do-mato quanto tantos outros
porque não posso mais me sentar à praça
nem admirar o vazio que há entre as coisas
nem o silêncio
nem a canção.
tais coisas não existem mais.
resta uma ilusão.