segunda-feira, 31 de agosto de 2009

entre atos


entre atos, composto
pleno.
o diabo numa mão
e o anjo na outra.

entre outros
descomposto na alma.
o outro que me habita
em algum lugar de mim mesmo
nunca repousa.

o relógio soa a triste hora
e o corvo me observa sobre o umbral principal da sala.
transpiro , escoando gota a gota
meu medo entre as linhas vazias da folha de anotações...

o corvo me quer
o anjo me deseja
o diabo me habita.

entre atos.
quantos espíritos podem habitar a alma de um ator?

sábado, 29 de agosto de 2009

me beta ( para Maria Bethânia)

fiz para ninguém
cantando em lugar algum
nenhum de nós a ler,
só o som no fundo soando
e uma guitarra desarmônica.

fiz por fazer
queria que você me cantasse
como quem sabe ler,
só o som de você voando
e um par de ouvidos atentos.

fiz para você
admito que queria que você me ouvisse
como quem sabe cantar, na calçada
só o silêncio de minha letra andando
e um sorriso no canto da boca.

fiz sem querer
fiz pra ninguém
fiz por fazer
fiz pra você.

me canta
me beta
Betânia.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

antes da feitura

antes da feitura
a palavra tem que ter um halo
identificar-se no espírito,
mesmo que seja o que é.

a poesia é uma proeza da palavra que se desmonta
e se refaz de tantas formas...
eu por exemplo, com a cabeça cheia de canções
e a alma repleta de personagens
crio halos e elos múltiplos
idiossincraticamente em piruetas fantásticas,
antes da feitura.

não há indícios de que a poesia seja apenas uma ou várias,
e tal liberdade, ao mesmo tempo
é aprisionadora.
livre? quem o seria?
nem eu mesmo
que na palavra tento me libertar das formas.

na poesia há movimentos doidos
como nas canções ou na composição dos personagens,
uma suruba ecumênica instala-se
antes de sua feitura,
mesmo quando a palavra é o que é.

e antes da feitura da poesia
a ausência do canto do grilo
o violão mudo sobre o colo
um segundo antes do suspiro,
melhor do que tudo.
antes da feitura: o silêncio.

hiato

hiato. ato id.

fenda necessária.

ignomínia da alma sobressalente.

ato vazio. eu.

ato. de mim.

ia...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

casa

sempre quis limpar a casa suja,
remover a poeira dos livros, aqueles que estão sempre mais sujos,
encontrar o feitiço para libertar os personagens e seus fantasmas
e depois colocá-los numa grande fogueira
e queimar-lhes, vaidades que nos iludem.

incendiar a casa toda daria muito trabalho.
seria mais difícil que esconder sob os escombros
as tragédias de nossas vidas pequeno-burguesas,
porcelanas baratas.

sempre quis libertar dos livros
primeiro o amor
tardio cardiopático passional latino americano,
em seguida os monstros fascinantes e maravilhosos
sem perceber que muitos deles já estão libertos-não-libertos
caminhando entre os pedestres.

mas minha vaidade não me permite
pois teria que fisicamente me livrar de suas prisões,
após a alforria - elas estariam vazias -,
dos livros, das vaidades e dos fantasmas habitantes.
o que seria de mim? de nós?

limpem a casa suja e queimem-nos os que vierem depois de mim,
se eles ainda existirem.

ai que preguiça.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

segundo ato

palavras que dançam vazias plenas de uma liberdade imaginária
procurando poesia em si,
por si e para si.

palavras que na boca tem o som do que foi dito,
sujas palavras.

na boca a palavra soa, quando bem dita
como a memória da alma, para além do escrito.

está dito. tudo está dito?
eis o infinito.

primeiro ato

tempo que lhe perco
tempo perdido em que me deixo
basta.
vanguardas que naveguem
escolas instituídas
pedra por pedra
tijolo por tijolo.

ouço o que digo
renego, desdigo
saio do meu umbigo angustiado,
ângulo desreto.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

expurgo

‘’ Pregadores do evangelho da prosperidade proliferam no mundo.
No Texas diante de milhares de fiéis assolados por dívidas, pregadores do evangelho da prosperidade deleitam a multidão com histórias de vidas luxuosas. (...)’’
No Brasil, Edir Macedo oferece um diploma assinado por Jesus Cristo.
E numa outra igreja, o pastor analfabeto promete curar de ‘’ ades ‘’ um homem destruído pela AIDS, e por doenças oportunistas como a lipodistrofia. Como disse Herbert Viana, ‘’ quem não tem ABC não pode entender o que é HIV’’.
Hondurenhos responsáveis pelo golpe militar, tiram Zelaya do poder.
Eleitores rurais do Japão estão perdendo a fé.
A proposta de reformar o SISTEMA DE SAÚDE norte-americano desagrada os republicanos ricos.
No senado brasileiro, políticos articulam diante dos nossos narizes, e costuram seus erros com acordos estúpidos e indecentes enquanto a educação brasileira continua uma merda. E o nosso presidente da res pública, já foi pobre e sofrido. Lula me assusta, porque o homem público me assusta. não há sequer nem mesmo vergonha por parte de um homem que sempre pregou igualdade. Sábios pessimistas...
Hassana Sherjan diz no New York Times que o sentimento dos afegãos com melhor nível educacional, no contexto do pleito presidencial, é de extrema apatia.
No Brasil, os filósofos da UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO decidem abster-se de qualquer movimento em relação à divulgação ou apoio de votos a qualquer político em época de eleição.
Gangues armadas atacam homossexuais no centro-velho de São Paulo, dizendo que a bíblia prega que eles todos deveriam morrer. E um dos membros de uma das gangues é marido de um travesti.
Pobres serão sempre pobres, como disse Caetano serão sempre ‘’ podres ‘’. Ricos serão sempre ricos. E homens serão sempre homens.
E quando se trata de democracia, tristeza dizer isso, é melhor desistir de tudo.

É que no fundo não podemos. Há muitos josés e jesuses nascendo todos os dias e precisando de atenção. Enquanto estivermos vivos, temos toda a responsabilidade pela incompetência dos outros e nossa.

o fazer

não consigo dissociar o ofício da escrita
do sentimento presente no que quero dizer.
não sei se digo, se me calo ou se artificiosamente desenho.
a arte de compor tem para os disciplinados uma regra.
para mim, tem o querer dizer.

arruinado em pedaços
Deus nem sabe de mim
ou de minhas palavras.
feliz por inteiro, coisa que nunca ...,
Deus continuará sem saber.

prefiro que o homem saiba
e tente comigo as '' aéreas piruetas '' de Clarice,
guardada em mistérios no coração.

mesmo quando me sento diante da máquina
que me permite a transformação da poesia em objeto físico,
prefiro que o homem saiba
de minhas secretas acrobacias
tentando não arrancar as palavras do limbo,
mas deixando que elas se façam com o respeito que lhes é cabido.

não sou artista, não sou homem
nem tampouco apenas observador.
executo, danço, deslizo e componho
mesmo quando explodo
faço-o porque a palavra em mim quer vazar
e errar no portal entre os grandes
e com a cara dos pequenos.

sou um luxo, no lixo.
com arrogância arrisco.
com elegância insisto.

e sei que durante muito
o fazer irá confundir-se com o '' sobre como fazer ''.

mas se o leitor procura fórmulas
não há.
há sentimentos, sensações e construção de formas
sem formas.

sou tão bicho-do-mato quanto tantos outros
porque não posso mais me sentar à praça
nem admirar o vazio que há entre as coisas
nem o silêncio
nem a canção.
tais coisas não existem mais.

resta uma ilusão.

domingo, 23 de agosto de 2009

com amor

eu odeio gente.
odeio o vento e o calor,
o asfalto
o limpo e o escondido.

odeio dizer que odeio.

odeio ter que ser
ter que ter
ter que fazer.

odeio os seres racionais
e as crianças hiperativas: judô, Karatê, inglês, internet, orkut
e a punheta adolescente.

odeio-o.
odeio-me.
a ti odeio-te.
e te amo por me odiar.

narciso no espelho...aflito.

de mim o que digo, será mentira?
eu é apenas um pretexto
de alma completa que não se completa, diz-se vazia.
pereço, eu sei.
em cada esquina haverá sempre um anjo de Rilke(*)
marcando as horas definitivas e todas as despedidas.

pereço diante da morte que se aproxima
quando me lembrarei de todos os livros que devorei
e a vida de cada um deles latejante.
e os anjos me condenarão ao inferno por tal promiscuidade.
mas será que o inferno pode doer mais que a morte da alma? o deixar de existir?

de mim, o que digo agora será saudade
do que eu ainda não vi.

eu é apenas parte de um contexto
pois nem chegarei a ser um eu velho.
e na hora final me lembrarei de todos os meninos que devorei
o sangue de cada um deles derramado sobre o meu dorso...

de mim o que digo?
morrerei jovem sob a garoa fina na avenida paulista.
e todas as mentiras da minha vida serão abolidas.

de mim? o quê direi se estiver apodrecido?
nada.

(*) referência ao poeta Rainer Maria Rilke, nascido no
império austro-húngaro no século XIX que, com sua poesia
influenciou inclusive a filosofia de Heidegger, '' (...) refletindo a angústia
do mundo de então (...)".

sábado, 22 de agosto de 2009

imperativo

confessa ao acaso os teus pecados tolos
teus ritos profanos e teus coitos
tua vida pregressa e teus prazeres.
há ainda algo a festejar.

confessa-te e contempla a tua imagem no espelho
e verás que nunca celebraste tua vida, na dos outros.
professa teu altruísmo falho
teus versos messiânicos e tua alienação diante do real,
teu mundo moderno e teu feijão com arroz.

alinha teus sentimentos aos olhos do mundo
e teu egoísmo filosófico.
tuas regras estão mortas - pelo menos na alma -,
e choram seu fim sob o sol
que ilumina generoso a tua casa.

anda,
põe-te a dizer o quanto erraste e toda a tua culpa burguesa
mas admita que tua carne envelhece tardiamente
enquanto teu espírito já se foi.
lembra-te que o melhor que fizeste foram só teus coitos verdadeiros,
e quando celebrares o '' enterro de tua última quimera ''
tuas lágrimas não serão pelos que ficaram,
mas para ganhar de teu deus a redenção epifânica do verbo,
escrito feito homem.

tua culpa que te enterre.

prece...

sabemos de tudo e não sabemos
somos científicos, racionais,
tantos e nenhum.

sabemos de tudo, mas ruíram muito mais coisas
que apenas duas torres,
e a história ruiu há muito.

ainda há tanto por dizer!
há bárbaries e cantares
há dores e festas...
pois é...ainda há festas.

há países sem haver nações
brasis marrons sem pães,
e há muitos picadeiros e imperadores instituídos
enquanto os estudiosos dizem '' tudo é normal''.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

tudo quer ser redito


diga-se novamente se não houver mais o que dizer,
diga se
antes que a serpente volte a engolir-se, a si mesma, pela cauda
exponha-se ao ridículo de si no se
e extrapole as curvas da estrada.

mas não assassine a frátria língua
e perdoe-se a si mesmo se não tem a chave,
mas dê à poesia o que lhe cabe.


diga-se capaz de reinventar
para resistir
e refaça a tarefa de casa.

só então queira mais e seja mais.

mas lembre-se que um dos mineiros mais ilustres tinha razão:
''(...) aceita o poema como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço(...)(*).

tudo está realmente dito?
então rediga-se.
(*) Carlos Drummond de Andrade em A PROCURA DA POESIA - A ROSA DO POVO - Ed.Record

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

MINHA CIDADE ACONTECE, TAMBÉM, DENTRO DE MIM.

OUTRO

pobre poste solitário nas madrugadas iluminadas
em que nada existe para '' os justos '' que dormem.
quero instalar-me no alto da sua cabeça
para enxergar a cidade, diferente
e ver mais distante,
alto, imponente
feito de concreto, cimento e pedra.
deixe que eu também mije em seus pés
como um cachorro cansado de correr atrás do cio das vadias,
ou deixe que eu morra abraçado a sua frieza imponente
pobre poste solitário que transita imóvel pelo tempo
e que se degrada muito menos
do que eu.

CIDADE ...aqui vivo e morro todos os dias

mata-me em teus quintais, cidade apodrecida de tão linda
que depois meu canto será desfeito no escuro
em teus açougues humanos
cheirando a pernas e braços lisos
ou peitos sólidos e corações cheios de imagens.
teus meninos, cada vez mais feios
todos criados no sétimo dia
roçam felizes seus paus em outros paus, as vezes postes
enquanto outros paus e algumas bocetas, as vezes, os esperam.

mata-me
água-me
desata a tranca entre minhas pernas,
longa cidade que me estupra
alta
obesa pedra, ora mórbida, ora linda construção.

ficarei três dias morto
sob as lágrimas das carpideiras
mas se tiver que ressurgir no quarto
que seja em cama macia.

mata-me antes de morrer completamente
e que seja depois do inverno, antes que eu me canse.
cantarei os teus subterrâneos sob a noite e a garoa fria
se me deixares cantar antes de minha morte.

eu sei que há muito, um anjo me espera nas esquinas de tuas vias.

tua circulação já não me vaza mais.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

é proibido proibir?

eu te proíbo de fumar em locais fechados,
boto a policia atrás de ti, cobro-te alto pelo delito e sem educar-te.
de beber com os amigos na praça.
e se tu desobedeceres, tua pena é a de ser roubado pelos meninos do crack
do centro-velho da tua cidade, esquecido.
- os próprios meninos já foram condenados a não ter uma vida melhor,
e estão pagando suas próprias penas.

te proíbo de amar o teu menino em público , se fores menino
ou a tua menina se fores menina.
e se eu te vir fazendo-o, prendo-te por atentado violento ao pudor.

te proíbo de ser preto e de ter a tua cultura própria.
te proíbo de não acreditar em Deus,
e te levo para o inferno.

a partir de agora não podes também fazer a tua arte
pois teus patrocínios nunca virão,
condeno-te ao que quero que vejas ou assistas.

de andar pela cidade à noite ou admirar sua arquitetura
posso condenar-te por observar ou por suspeito de tentativa de assalto.

eu te proíbo de muita coisa
e te digo
que a maior proibição que deixarei a ti
é o direito à educação e à vida, não o tens se fores pobre.

te proíbo de ter bons mestres
bons educadores e uma boa escola.

e se acaso não gostares
quero que tu te fodas
principalmente por já ter tirado de ti
o direito à discussão e ao esclarecimento.

ah, ia me esquecendo de dizer-te
que com tudo isso proíbo-te
de ser tu mesmo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

livre


não crio sistemas nem estilos
sou um círculo de conclusões
que na proeza da palavra dita
afirma-se a si mesmo...
palavras não são canções
mas fazem delas desenhos imaginários
seja no coração, na cabeça ou na alma.
me perdi no silêncio, procurando as palavras
a ponto de nada ser.
hoje não sou
nada sou...
maravilha humana ser mutável.

fragmentos do LÓGICO II

todos os cantos em todas as horas
pesares em todos os dias
lágrimas em todos os olhos
amores em todos os homens. utopia.
tudo em todos, em tudo.

todas as vozes em todos os ouvidos
buzinas em todos os carros
cigarros em todos as bocas
marias em todos os josés
jesuses em todas as igrejas.

tudo desde que haja o tempo
que não se canse enquanto houver espaço
que não se cale enquanto houver o grito
que não se sofra enquanto houver o beijo
que não sejam silenciados enquanto houver a poesia.
proeza sonora.
viva a música.

fragmentos do LÓGICO I

Tudo está dito?
Tudo?Está dito?
Até tu? Áté eu?

Sei. Saberia.
Seu eu soubesse...
Engano. Procuro.
Desencontro.
Ah, poetas...

domingo, 16 de agosto de 2009

madrugada

(ilustração:Mr.B -www.homographix.com)





ainda continuo a minha busca,
talvez em algum momento de maneira inconsciente.
não sei o quê busco, apenas o que não desejo.

meu discurso é o do ator perdido diante de tudo.
discurso mudo, nulo.

se eu é apenas um pretexto, que seja nós, então.
assim...

poderíamos pensar que as coisas serão melhores
e que os passos iniciados com os pensantes nos levariam ao entendimento.

mas, conhecer para quê?
a alma nem sempre cabe num pensamento expresso
de vez em quando é vômito, choro, solidão e inferno.
sentimentos e sensações que nem o diabo católico pode explicar
nem o cristo bizantino
nem os domadores-de-almas de plantão
tampouco os filósofos historiadores ou os antropólogos da miséria
entendedores profundos da barbárie.

coisas melhores? dias melhores?
sejamos românticos e ingênuos... esperando,
pois o melhor nunca virá.

são novas as guerras.
e como se trata de um grito pessoal,
volto a ser eu:
grito. careço de um linimento.
não sou ouvido. não somos.
as pessoas em busca de milagres rezam e me cobram por meus pecados
mas pecam ao pleitear apenas a salvação de suas almas religiosas.
e como os senhores do poder, os religiosos agora querem só para si
e nem ao menos abrem suas janelas para contemplar
enquanto as cidades agonizam de fome
e os homens sofrem de ignorância via-satélite.

mas os discursos continuam inflamados.

não adianta
os pobres sempre quiseram apenas a riqueza
e os ricos serão sempre ricos.

à margem, se eu fosse um pensador diria mais,
mas sou apenas um ator, intérprete sufocado
esticando meu grito.

se continuo incessante a minha busca
tanto quanto os outros estou condenado a ser só
como um homem comun...
'' qualquer um''.

sábado, 15 de agosto de 2009

movimento contínuo ( para Caetano Veloso )

ainda que pareça ao acaso
o culpado, aqui, se despe e se apresenta ao público
num ocaso de vozes dissonantes
que de dentro da voz do réu ecoam
procurando no céu nublado,
um melhor tempo para se esperar dias melhores.
e se ele pudesse cantar, talvez se calasse.
mas como o silêncio é perturbador
e a sua matéria ainda é crua
renova-se fazendo muito barulho
por não saber cantar
nem sequer saber fazer chover.

ele também não saber fazer clarear o sol
e a despeito de viver, rima sem rumo na rua seca
no asfalto oco sob os trilhos escondidos da praça,
ou na avenida larga
lugar em que ele se lembra de você.
e se ele sorri
é por causa de você
que o sorriso vem,
da sua voz
letra
canção
menino com '' brinco de ouro na orelha''.

sabe,
os meninos daqui andam muito feios
as ruas menos largas
e as almas estéreis.
mas as palavras dançam
os meninos dançam
e as almas velhas emudecem
por não poderem dançar mais.

ainda que pareça ao acaso
ele é o culpado de todo o luxo que inventa.
e quando inventa
está sentado sobre os seus dois ovos
quase cazuzeando-se
aqui na boca da miséria
da avenida cheia de meninos
sem praça
e com o som do seu som em sua boca
ele sampa-se
ele sou eu.


http://www.youtube.com/watch?v=7vV22LRNrpk

De onde vem a minha palavra

Vem de mim, do que está aqui na minha cabeça louca.
Vem da Bahia, de Caetano, de Betânia-voz-de-veludo
ora áspera, ora lisa...
Vem de Arnaldo, vem de Antunes
proto pro poe
poesia em desordem
proesia em progresso.

eu


eu é apenas um pretexto no contexto evolutivo do ser, de cada um,

quando apenas em si.

termo cunhado para diferenciá-lo do você ou dele, dela, ou de nós, palavra pronome.

eu não é nem mesmo tu, nem o desconhecido. eu é apenas aquilo que mais conheço antes dos outros. o mesmo que possuo. por isso é para mim a festa do ego, do não globalizado, do indivíduo que se diz. eu serve apenas para mim.

é ele quando visto pelos outros, mas aqui, só um pretexto, um grito um lamento.

eu é narciso aflito diante do espelho quebrado, moderno, coisificado desreificado auto-afirmação da canção solitária. eco da primeira pessoa a usar o verbo.

eu é apenas o dito e do alto do edifício construído eu é nós todos, cada um, antes de compor o coro,

ao acordar dependurados no varal para secar ao sol e esperar a salvação.

arte e ilustração por Mr. B www.homographix.com


Ilustração por Mr. B www.homographix.com


acaso

portas abertas quintais cheios de crianças mutiladas calçadas esburacadas mulheres esquisitas sentadas ao portão automóveis faróis avenidas faixas placas de sentido obrigatório e crianças pedindo trocados com seus paus duros e tetas fortes engolindo falos apavorados de homens mal-resolvidos e milhares de vozes esperando o contínuo sopro de vida dos esquecidos e descamisados sem teto sem carros sem comida sem roupa e os pêlos expostos e o segredo de cada um iluminado pelas lâmpadas altas e águas escorrendo dos telhados deformados e cortiços improvisados entre os prédios bem montados e o outro me dizendo quantos anos ainda posso viver lendo meu futuro incerto através do enviado de Deus e os deuses da natureza do passado nos shoppings lotados lojas vitrines meninos e meninas cinema e pipoca cidade de homens dualidade imortal do senhor de engenho moderno que humilha e escala e interna seus soldados sem braços nas casas sem iluminação lá no fim da avenida perto da solidão dos anjos bem perto do fim do mundo programa de domingo macarrão com frango e pelados e peladas dançando até o limite da histeria sem arteriosclerose do espírito sentida no hospital sem doutores e profissionais capazes vamos todos morrer e é a única coisa que sabemos sabendo da vida o que vier é lucro sem livros lousas quadro-negro gizes e saberes portas fechadas e palavras infinitas que se vão escorrendo em direção ao rio sujo cheio de fezes flutuantes espumas e mijo da cidade toda só ArnaldoCaetano só eu mesmo só Luís Morena Dinho Vanessa Tainá Zé Paulo Anna Vitor João Zé Marx Zuzu Una e todos vivos peixes n'água morte vida palco teatro praça ideal de sentimentose arte pelas ruas abestalhadas sem sabor pastas armários embutidos dentro dos peitos expostos e para se ver a idade dade pedras escuras e poluída senhoras com sexo sem sexo coçando a boceta fedida e no século dezenove os homens abusavam muito mais culturalmente... e isso continua... sempre...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

menino morto

hoje eu vi um menino forte dormindo na calçada
cheio de feridas azuis
que ao sol me faziam pensar
na terra desconhecida de Hamlet.

sem voz nem alma
seu corpo fedia diante da multidão curiosa...

e eu, pequeno diante de toda a imensa situação
só fazia chorar.

anjo urbano

me confundo com as linhas arquitetônicas da cidade fria,
entre os corpos retos, frios como aquelas linhas
e as vozes dos automóveis pedindo passagem.
procuro nos homens, nas mulheres e nos meninos
as curvas necessárias para destoar do resto.

a passos perdidos descrevo uma caminhada que vaza do peito.
gosto de andar nela sem ter destino.

sorrio falso, arranco beijos forçados nas ruas
mas os homens, as mulheres e os meninos continuam feios, frios e retos
e confundem-se com as vozes irritantes dos automóveis
sem que peçam passagem.

em cada esquina um filme.
em cada esquina um anjo admirando a destruição natural da vida
e lendo um trecho de seu apocalipse pessoal.

tanta coisa ainda por fazer...

e todos os anjos querem me conduzir ao seu paraíso pessoal
na terra-prometida-reta que criamos.
São Paulo é a minha cidade. Tudo nela e para ela. Um misto de gente, subindo e descendo as ladeiras, avenidas, museus, bares, botecos e shoppingcenters.
Aqui as coisas são e não são. Aqui, a palavra se sente confortável para subir no palco. Aqui, o palco é extenso, os personagens são complexos, como em qualquer grande cidade do mundo.
Só que aqui, é a minha cidade.

diálogo

tempo que lhe perco
tempo perdido que me deixo,
tempo.
basta! vanguardas que naveguem
escolas instituídas
pedra por pedra
tijolo por tijolo.
ouço o que digo
renego, desdigo
saio do meu umbigo angustiado...
ângulo desreto.

no viaduto do chá de cada dia
dai-nos senhores a proesia
de cada dia.

afirmo-me o tempo todo em auto
tempo perdido
que me perco.

sou eu demais
por não ser eu mesmo,
sou nós.
eu que me digo em nós que nos perdemos.
sento-me e sinto-me muito só.

por isso escrevo
tentando uma canção
no mar salgado ou doce
que há em mim.

ao leitor

falta-me muito.
o muito que não sei. serei capaz de dizê-lo?
feche esta página, vá para o orkut...
não vou dizer aquilo que pretende ouvir.
são meus, os tais versos.
pense nisso e quando voltar, conversamos.
ou melhor, pense nisso e quando voltar, leia-me.
eis-me aqui.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

lógico

as pessoas continuam. e eu continuo, como as pessoas
e observo, se construo. observo nada sereno
para tirar das pessoas aquilo que será para sempre.
tenho em meus cadernos todas as pessoas que amei
e em minha alma todos os que eu queria que estivessem longe.

mas também me construo e deixo que eu seja o observado, dentro dos outros olhos,
mesmo quando não há muito o que se ver em mim.
e faço. faço versos fáceis com palavras e pessoas
quando a língua da minha língua, é a mesma que funda meus alicerces...
composta de palavras que da alma saem
para passear onde quer que seja, na grama, no asfalto, no quintal molhado,
na avenida, a gramática.

se eu soubesse escrever, não escreveria
seria um compositor, sem a música
ou a própria simplicidade que vem do silêncio,
a mesma que está por trás ou por dentro dos olhos e dos ouvidos, sem se formar.

de resto o resto é todo irritante.
de resto, minha voz me irrita
as pessoas me irritam
enquanto as coisas se irritam.

se eu soubesse escrever, não escreveria.
seria o próprio nada
em todas as horas do dia
assim como a voz da cantora maria
que se gruda em minha alma
e projeta minha incompetência diante da beleza
que dela exala:
cantar com o silêncio, com o nada, sem dor,
apenas deixar sair limpa, límpida, canção.

paráfrase

li ontem
quase dois poemas do livro de um poeta estúpido
e chorei como quem tem rido muito
- os poetas estúpidos são artistas doentes
e os artistas doentes são homens sãos.
nas páginas abertas por mim
as lágrimas vertiam das letras, manchando o papel.
não. ilusão. as lágrimas ali vertidas, eram minhas
e não dos poemas lidos.
como se não soubesse de quem eram tais poemas
busquei absurdo a capa para identificar a assinatura.
e qual não foi a minha surpresa
quando descobri que o poeta estúpido era eu.
eu mesmo.